Acordo de Leniência

ACORDO DE LENIÊNCIA

A NECESSIDADE DE ADAPTAÇÃO AS NOVAS REGRAS DA LEI

A Lei Anticorrupção Brasileira de 1º de agosto de 2013 (Lei nº 12.846/13) dispõe sobre a responsabilidade civil e administrativa de organizações com sede, filial ou representação no território brasileiro, envolvidas em atos fraudulentos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

O artigo 2º da Lei aponta para a responsabilização objetiva de pessoas jurídicas, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos na Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

O acordo de leniência é praticado nos Estados Unidos, desde os idos de 1890 (Lei Sherman – regulação que visava garantir a concorrência entre as empresas). É o ajuste que permite ao infrator participar da investigação, com o fim de prevenir ou reparar dano de interesse coletivo.  No entanto, este instrumento apresenta algumas questões a serem suscitadas como quais os seus reais benefícios, o tratamento do sigilo e a falta de independência da autoridade. Porém, a questão que mais tem gerado controvérsia é a referente ao impacto do Acordo de Leniência na ação penal.

Damásio de Jesus em artigo denominado Estágio da “delação premiada” no Direito Penal Brasileiro (2005), demonstrou que “a origem da delação premiada no Direito brasileiro remonta às Ordenações Filipinas, cuja parte criminal, constante do Livro V, vigorou de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. O Título VI do Código Filipino, que definia o crime de Lesa Majestade (sic), tratava da delação premiada no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica ‘Como se perdoará aos malfeitores que derem outros à prisão’  e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios. Em função de sua questionável ética, à medida que o legislador incentivava uma traição, acabou sendo abandonada em nosso Direito, reaparecendo em tempos recentes”

Para os operadores do direito, em especial os advogados, a delação premiada e o denominado acordo de leniência não são uma unanimidade no que toca a sua aceitação. Vale dizer, inúmeros e destacados colegas têm recusado a defesa daqueles que manifestam interesse na aceitação das propostas que são formuladas pelo Ministério Público. O que se vê claramente, em especial em tempos de lava jato, é – a cada vez mais presente – pressão de familiares dos investigados para a aceitação das propostas para que não se tornem futuros “Marcos Valérios”. A questão é complexa e exige análise além das fronteiras do Direito. É uma nova filosofia que surge no nosso ordenamento jurídico.

Notamos a existência de uma, digamos, resistência cultural para a aceitação da delação premiada e para a adesão ao chamado acordo de leniência.

As opções pela aceitação de tais institutos impedem a apresentação de argumentos de defesa com vistas à absolvição, por qualquer motivo que for. Conta-se o que sabe. E aquilo que se conta somente será considerado se, além de fatos verdadeiros, surja como fatos novos, ainda não investigados e apurados. Eis aqui o grande dilema do investigado, suspeito da prática de crime.

Por outro giro, aos olhos daqueles que não operam diretamente com o Direito (leigos e interessados em geral) e que acompanham as recentes noticias trazidas pela mídia desde a Ação Penal 470, conhecida como mensalão, até a recente (e cada dia mais bombástica) operação lava-jato, o caminho mais óbvio é entender pela lógica da aceitação das propostas. É a visão, como já dito, da grande maioria dos familiares de investigados pela prática de ilícitos penais.

Delatar é trair em uma análise crua e preliminar. Individualmente, aquele que opta por entregar o caminho que leva à corrupção, é tido como o Judas, é o “dedo-duro” daquele “esquema” que tão bem vem funcionando aos olhos dos parceiros da prática do ilícito penal.

Em muitos países, ao contrario do que estamos vendo aqui no Brasil, o delator é tido como uma figura corajosa faz o que é certo. Verdadeiro herói. Vejam só como a questão é cultural e não está restrita ao mundo do Direito.

Na Operação Lava-Jato, até agora, algumas empresas – como exemplo, Sog Óleo e Gás S/A, Setec Tecnologia S/A, Projetec Projetos e Tecnologia Ltda, Tipuana Participações Ltda., PEM Engenharia Ltda, e Energex Group Representação e Consultoria Ltda -fecharam acordo de leniência com o Ministério Público Federal, admitindo irregularidades em troca de vantagens como penas mais brandas para os executivos.

A lei é importante porque são as empresas que têm a verba para pagar propina e para esconder esse pagamento.

Segundo publicação ocorrida na Folha de São Paulo (caderno A8, 23-11-14), o volume de dinheiro envolvido, considerando as nove empreiteiras acusadas, monta a impressionante quantia de 59 bilhões de reais (talvez, bem mais que isso!). Isto demonstra a quantidade de dinheiro envolvido na corrupção. No Superior Tribunal de Justiça, o  Ministro Felix Fischer, ao julgar   habeas corpus impetrado a favor de João P.  Almeida Prado, afirmou: “Acho que nenhum outro país viveu tamanha roubalheira. Pelo valor das devoluções, algo gravíssimo aconteceu” (Folha de São Paulo, 26.11.2014).

Portanto, os métodos de agir devem e têm que ser revistos, para que se possa dar um salto repensando as relações do que socialmente é desejado.

Ao analisarmos os acordos de leniência devemos questionar: qual a lealdade que mais deve ser prestigiada? A lealdade entre companheiros ou a lealdade perante a sociedade cujos valores estão cada vez mais deteriorados por conta de pensamentos pequenos daqueles que têm olhos apenas para os interesses relacionados ao próprio umbigo.

O que concluímos, neste importante momento de nossa história é que os valores éticos devem ser adotados e respeitados por todos nós, dentro das regras da lei, enfrentando-se com rigor os abusos, não prestigiando a “política do encarceramento” adotada por considerável quinhão da nossa magistratura, adaptando-se aos novos rumos que os fatos nos trazem, fazendo valer a regra da lei, adotando-se métodos de defesa de clientes atrelados a mais prestigiada ética, na busca incessante, incansável de seus direitos.

Isso não desprestigia a advocacia, apenas irá engrandecê-la!

RODNEY CARVALHO DE OLIVEIRA
BRUNO IKAEZ

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